Durante
muito tempo, o objeto de estudo e o método da teologia percorreram caminhos menos
turbulentos. Isso porque, hoje, ao vivermos em uma sociedade tão plural, num
contexto onde há muita superficialidade, a teologia tem o papel de buscar a
razão e o sentido mais profundo, que à fundamente, nas diferentes áreas, seja
na dogmática, na Bíblica ou na sistemática. Não estamos afirmando, contudo, que
os primórdios da teologia tenham sido menos desafiadores, do que hoje, em sua
sublime missão de dar razão à fé. Na verdade, o que acontece é que a cada dia
novos questionamentos surgem em torno da fé.
Os
primeiros séculos do cristianismo são testemunhas de uma fé encarnada e viva.
Dado ao fato de que, a unidade da fé dialogava naturalmente com a pluralidade
de expressões que a tocavam. Em todas as suas dimensões, e em diferentes
contextos, essa diversidade nascia do particular. E a pluralidade de expressões,
como afirma Moingt, não era uma ameaça à unidade, muito pelo contrário,
ressaltava ainda mais sua riqueza.
A Igreja nascente começa a entrar em contato com
contextos culturais diferentes dos seus. Quando isso acontece, começa a haver a
necessidade de entender a cultura na qual ela está se pronunciando, trata-se da
cultura helênica. Nessa imersão, ou atualização, começam a surgir algumas
correntes de conhecimento, como a gnose, que contradiziam a ideia de Salvação e
punham em risco o dogma da Revelação. Diante disso, a Igreja se posiciona
contra tais correntes que ferem a sua doutrina, e então se organiza para amparar
e fundamentar a fé. Nesta tarefa de estruturar e dar razão a fé nasce a Regra
de Fé. Assim surgem também os símbolos, como o Símbolo dos Apóstolos, dentre outros.
Ao longo dos séculos seguintes, muitas teorias
desafiaram a estrutura da Regra de Fé e a teologia cristã, que, com a ajuda dos
Padres da Igreja, Teólogos, Filósofos, etc., a Igreja foi respondendo e
confirmando a unidade da fé.
Hoje, no mundo contemporâneo em que atuamos, um
dos grandes desafios para garantir a inteligibilidade da fé cristã é a
pluralidade de pensamentos e correntes que segregam a sociedade, e que, muitas
das vezes, apresenta uma crença vazia e efêmera. Portanto, uma pergunta que se
torna latente entre os “agentes da fé”, responsáveis por garantir sua
inteligibilidade hoje, é, talvez, como iluminar esse mundo contemporâneo tão
complexo à luz da reflexão teológica?
Acredito que, primeiramente, é preciso partir
de uma visão antropológica de que a fé não é um dado separado da ação, é
preciso ter a visão do ser humano como um todo, e assim como nos primórdios do
cristianismo, em que a unidade da fé nunca foi confundida com a uniformidade de
expressões, bem como que, professar a fé implicava em viver a fé como regra e
projeção de vida. Oração e ação, precisam caminhar juntas, não pode haver
dicotomia entre ambas, se quisermos de fato possibilitar um diálogo coerente
acerca da fé.
Um segundo passo seria assumir um compromisso
com o Jesus humano, de modo que, fique claro que crer no ressuscitado requer um
compromisso com o Deus Homem e a humanidade. O papa Francisco disse na carta
enviada à Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica da
Argentina, por ocasião de seu centenário, que o teólogo de hoje precisa ter bem
definido em si três distintas características: ser uma pessoa atenta e inserida
no seu tempo, ser uma pessoa que testemunhe a sua fé e, por último, e não menos
importante, ser uma pessoa que tenha atitudes proféticas, em sintonia com os
apóstolos e os sinais dos tempos. O Jesus vivo deve estar no centro. Jesus
caminhava com o povo, vivia sua realidade, e os cristãos também devem estar
inseridos na realidade que os cerca, só assim será possível levar os homens a
um encontro com a pessoa de Jesus.
Por último e mais desafiante, repensar a imagem
de Deus. Como nós, educadores da fé, estamos apresentando Deus às pessoas? A
onipotência de Deus não deve ser apresentada como um domínio, como um poder
opressor. O desafio, que precisamos vencer para garantir a inteligibilidade da
fé hoje, é apresentar Deus como um ser tão onipotente que se fez criança, se
fez gente como nós, através da encarnação de Seu filho Jesus, e isto é próprio
de Deus, Ele sempre caminha conosco. Deus que está no meio de nós como Pai e
Amigo, nos ama, nos quer bem, esse é o Deus pregado pelos apóstolos e desejado
pelas pessoas do nosso tempo.
Portanto, para garantir a capacidade de
perceber e compreender bem a fé, dada toda a complexidade e multiplicidade do
nosso mundo hoje, é preciso sempre recorrer às raízes do cristianismo, onde está
a fonte da fé, a Revelação. E, atento aos sinais dos tempos, ler a Regra de Fé,
as contribuições dos Padres da Igreja, em sintonia com os apelos e necessidades
do mundo, testemunhando com ações práticas a fé que professamos. Assim, tornar
a fé inteligível significa vive-la e pregá-la de maneira autentica no dia a
dia. Crer é mais do que proferir orações, é transformar realidades em orações.
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