por Wálter Maierovitch
Na sua última edição, CartaCapital mostrou
como candidatos paulistas a cargos majoritários buscam conquistar os votos de
89% de descontentes com o tratamento sancionatório dado a menores infratores e
considerado brando. O senador Aloysio Nunes Ferreira, candidato à
Vice-Presidência da República, luta, para os casos de infrações hediondas, pela
aprovação da sua emenda constitucional redutora a 16 anos da responsabilidade
criminal. Essa emenda virou bandeira do candidato ao Senado José Serra, um dos
tucanos corresponsáveis pela desastrada política paulista de segurança pública,
sem esquecer tratar-se de um estado com superlotação em unidades de internações
da autárquica Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente
(Casa).
Por meio
de proposta endereçada aos ex-ministros Márcio Thomaz Bastos e Paulo Vanucchi
(o primeiro jurista e o segundo membro da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos da OEA), o senador Eduardo Suplicy, candidato à quarta reeleição,
pretende dilatar o prazo máximo de internação de três anos previsto no Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) aos autores e partícipes de graves atos
infracionais: no Código Penal, o prazo máximo de cumprimento da pena é de 30
anos e, no ECA, a internação não pode ultrapassar três anos. Mais ainda, pelo
ECA são obrigatórias periciais semestrais e a permitir, por decisão judiciária,
o imediato levantamento da custódia fechada. A propósito, o ECA, no que toca às
internações por atos infracionais, adota o princípio temporal da
brevidade (art. 121).
O
endurecimento é preconizado pelo candidato ao Senado Gilberto Kassab e também
pelo governador paulista e candidato à reeleição, Geraldo Alckmin. Essa dupla
promoveu, em operações policiais na Cracolândia, a mais grave violação a
direitos fundamentais da nossa história republicana, a vitimar maiores e
menores dependentes químicos. Alckmin, no momento, está às voltas com uma ação
civil pública promovida pelo Ministério Público e em face de superlotações em
unidades de internação: Alckmin faz tabula rasa à regra do ECA impositiva de respeito
à dignidade da criança e do adolescente.
Como se
percebe, os candidatos mencionados não pensam em reformas necessárias à
emenda do infrator e à sua reinserção social. Eles são adeptos apenas da
doutrina positivista chamada de “Lei e Ordem”, de clara origem reacionária e de
natureza vingativa. Doutrina coincidente com o modelo norte-americano, que, com
sanções elevadas, imagina poder inibir a prática de atos criminosos.
A
propósito, volto neste espaço a recordar um fato histórico, remonta ao tempo em
que a Europa se inquietava com um médico psiquiatra, Cesare Lombroso. Com
efeito, seguindo a vertente darwiniana, divulgou-se, em 1871, a teoria acerca
do criminoso nato: “L’uomo delinquente in rapporto all’antropologia,
giurisprudenza ed alle discipline carcerarie”. Tratava-se do homem propenso a
praticar crimes em razão de taras ancestrais e anomalias somáticas. Por forças
atávicas, o delinquente nascera num tempo distante daquele em que efetivamente
deveria ter vivido. Portanto, e à luz dessa novidade antropológica, não mais
estava a influência social na gênese do crime. Contava somente o fator
biológico. Apesar da empolgação, essas ideias de Lombroso encontravam
resistência na Itália. Por lá estava ainda muito viva a lembrança de um fato
extraordinário ocorrido em 1855 e a envolver infratores juvenis considerados
irrecuperáveis e perigosos.
O
sacerdote salesiano Giovanni Bosco, naquele ano, tinha sido recebido em
audiência por Urbano Rattazzi, ministro do Interior. Liberal, e apesar de
anticlerical, recebeu o sacerdote desejoso de uma permissão para passear, por
um dia e sem escolta policial, com os 300 jovens dados como perigosos
internados no reformatório La Generala.
Permissão
concedida, o sacerdote passeou com os jovens, que se comportaram de maneira exemplar,
sem qualquer tentativa de fuga. Notou-se, logo, que o acontecimento colocava em
dúvida os métodos empregados nesse reformatório, onde mais de cem truculentos
guardas cuidavam da disciplina. E isso desafiava, também, o acerto da doutrina
de Lombroso.
Consultado
pelo ministro, explicou Dom Bosco: “A minha é uma força moral. O Estado só sabe
ordenar, punir e não investir na recuperação. Eu vou diretamente ao coração dos
jovens e a minha palavra é a palavra de Deus”. Sobre Lombroso, dom Bosco,
santificado há 80 anos, nunca concordou com “a maldade instintiva, fruto de
tara biológica”. Fundador da Pia Sociedade Salesiana, certa vez alertou: “O
objetivo da minha Sociedade é o de despovoar as ruas de jovens delinquentes e
educá-los, para a tranquilidade de todos e a honra da pátria”.
Pano rápido: sem
apresentar programas adequados de emenda e reinserção a justificar um aumento
do lapso trienal de internação, falta legitimação ética às propostas dos
candidatos. Puro populismo em busca de votos.
O texto foi originalmente retirado da coluna sociedade da Revista Carta Capital
http://www.cartacapital.com.br/revista/813/memorias-de-alem-tumulo-7557.html