Não
consigo escrever! Parece que se esgotou tudo o que me motiva a rimar versos,
inventar palavras, entoar estrofes. Estou vivendo um longo período de aridez
poética, por isso resolvi percebê-la, resolvi torna-la pública. Enquanto eu
fazia questão de não identifica-la, eu não fui capaz de conhecê-la, não fui
capaz de desprender-me do mundo material, não fui capaz de produzir versos,
poemas e canções. E agora ao torna-la pública, estou até escrevendo sobre ela.
Seria cômico se não fosse trágico, antes eu escrevia sobre as garotas e seus
belos sorrisos, a lua e as estrelas, a natureza e Deus, e agora encontro-me a
escrever sobre a arte de não ter inspirações para escrever. Se ao menos eu
soubesse de alguma receita que me auxiliasse a vencer esta falta de sensibilidade
artística, eu seguiria fielmente.
Por
acaso, você faz alguma ideia do que é perder a sensibilidade artística? Se não
sabe, vou tentar ilustrar aquilo que não pode ser visto, tocado ou percebido.
Tente imaginar uma pessoa que após viver longos anos fascinado pelas formas e
as cores e repentinamente perde a visão! Imagine um jovem esportista que é
condenado à tetra paralisia após a um grave acidente. Você foi capaz de
imaginar estas cenas? Se sim, então você deve estar começando a entender como é
a morte do artista. Sim, um artista não morre quando perde a vida, mas quando
perde a sensibilidade da vida.
Confesso,
estou morrendo, mas antes que a falta de sensibilidade sepulte a minha arte,
vou denunciar os meus assassinos. Essa aridez que corta a minha garganta e faz
com que a minha alma perambule por aí sem verso, rima ou melodia é apenas
reflexo das minhas próprias escolhas. Sim, é isso mesmo que você imaginou, eu estou me matando, pois
a minha vida artística depende das escolhas que fiz, que faço, e que vou
fazendo ao longo da história. O artista se consome quando deixa de acreditar em
tudo aquilo que lhe inspira, o artista morre quando a sua arte torna-se objeto
da sua realidade. Uma vez uma pessoa me disse que não acreditava na existência
de inspiração para escrever, e só hoje eu estou sendo capaz de compreender
isso. Realmente não existe inspiração, pois tudo o que inspira o artista sempre
esteve presente na realidade, mas nem sempre foi sentido, percebido ou
experimentado, como as pessoas, o universo, a natureza, enfim, que são os
principais objetos ousadamente transformados em vida. A diferença é que o
artista agrega estes elementos como parte do seu existir, e ele deixa de viver
quando passa a percebê-los como objeto, ou quando passa a não percebê-los.
Acho
que estou morrendo, eu já não vejo ou enxergo como antes, muitas coisas
deixaram de existir diante dos meus olhos, e o que era abstrato tornou-se
concreto. Esgotou-se a minha razão de existir.
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