Em Feuerbach a Teologia se torna antropologia
Quando falamos de ciência,
logo vem em nosso pensamento a aversão à religião. Será que este dualismo parte
do senso comum ou possui fundamento pertinentemente válido? Questiono, porém,
temo não possuir argumento para respondê-la, contudo, gostaria de arguir um
pouco sobre este polêmico assunto.
Ao estudar nas aulas de Filosofia da
ciência sobre o Ateísmo Sistemático, entre os séculos XIX e XX, nos esbarramos
em uma figura muito interessante, Ludwig Andreas Feuerbach. Trata-se de um
sujeito, que após abandonar os estudos teológicos, tornou-se fiel discípulo de
Hegel. O pensamento de Feuerbach navegou pelo idealismo alemão, pelo
materialismo histórico de Karl Marx e pelo materialismo cientificista da segunda metade do século XIX.
Feuerbach desenvolve seu pensamento filosófico
inferindo que existe na religião uma carência da consciência que o homem tem de
si, sendo assim, o homem religioso aliena a sua essência ao ponto de se
comparar a um estado infantil da humanidade incapaz de reconhecer a si mesmo e
a Deus. Sendo assim, a consciência que o homem tem de Deus é a consciência que
ele tem de si. Fiquei imaginando, se Feuerbach chegou a essa conclusão acerca
dessa relação Deus e o homem ainda no século XIX, o que pensaria ele sobre esta
relação na atual conjuntura do século XXI? Abrindo um parêntesis no pensamento
puramente feuerbachiano arrisco mencionar que Deus é um ser mutável no passar
dos séculos, pois o que podemos ver hoje é que o Deus de várias religiões não
passa de uma figura criada a partir das carências humanas. Será que Feuerbach
tinha razão?
Com razão ou não, Feuerbach diz que
o “homem infantil” é um ser que teme as suas limitações naturais, teme ser um
homem finito, determinado e por isso cria para si uma figura abstrata, um ser
não real que fazendo uso de suas próprias qualidades e essência, externamente o
anima e o determina. Ou seja, existe uma necessidade de se afirmar em
características próprias, mas que partam de um fundamento exterior a si. Por
isso que os vários atributos divinos, mesmo que partam do mistério, são
encontrados no próprio homem. É através dos
sentidos que o ser humano é concebido como ser infinito e pleno de
determinações. Dessa forma, podemos conceber a religião como uma cisão no
homem: o ser divino é aquilo que o homem não é. Essa cisão entre o ser divino e
o homem representa uma cisão do homem com sua própria essência oculta. O homem
expressa essa essência através da religião, por meio dela, podemos encontrar um
conteúdo humano objetivado. As análises de Feuerbach sobre a religião mostram que o conteúdo dessas crenças podem ser
explicados de forma racional.
Não com a
intenção de ser cético, mas a fim de compreender ou até contribuir com o
pensamento de Feuerbach podemos pegar como base as Sagradas Escrituras do
Cristianismo. No livro do Gênesis, por exemplo, encontramos um paralelo entre
saga e mito que narra a criação do mundo e a forma como os seres criados a
imagem e semelhança de Deus são conduzidos ao longo da história, e assim como
em outros livros é possível notar características humanas no ser que é Onipotente. Assim, ainda muitas
pessoas usam o nome de Deus para difundir suas ideologias, para melhorarem suas
condições financeiras, para tornarem-se pessoas públicas e com status. Enfim,
quando alguém possuí uma boa retórica é capaz até de convencer que Deus está dando
ordens afim de que se cumpram certos modismos e caprichos intencionando
garantir um lote, uma casa, a vida eterna, a salvação em um reino almejado,
porém desconhecido.
Analisando
este lado da moeda podemos concordar com Feuerbach ao afirmar que A Teologia é
uma Antropologia e que a Antropologia é a história secreta da teologia. Este
tipo de Deus, já dizia Nietsche, está morto! Este tipo de Deus não comunga com
a ciência e nem com qualquer outra teoria ou prática de vivência, este tipo de
Deus entra em contradição consigo mesmo, este tipo de Deus é apenas a ilusão de
tudo aquilo que o homem não é capaz de ser, é uma mera criação humana, irreal e
incapaz de contribuir com o mundo e por isso concordo em gênero, número e grau
com Feuerbach ao afirmar que a Teologia se torna Antropologia.
Deus não
cabe na sua cabeça. Se Deus um dia for compreendido, Ele deixará de ser Deus e
passará a Ideia, e assim tudo o que existe enquanto teologia passará a
antropologia, e toda experiência transempírica passará a mito, assim como a
metafísica se não for mera física não existirá. Isso nos provoca a refletirmos
sobre uma coisa, qual é a relação entre a ciência e a religião? A Razão e a Fé?
Digo pois, se algum pensamento, ideia, prova ou argumento não considerar um equilíbrio
entre o natural e o sobrenatural, ele será incompleto, vazio, pobre e incapaz
de se sustentar. Ou seja, a Fé sem ciência é manca assim como a ciência sem a
fé não tem sentido, uma complementa a outra afim de que possamos viver bem a
vida que nos é proposta.
Assim, um
profissional do sagrado que baseia o seu discurso e a sua vida apenas numa
dimensão metafísica é um ser alienado, corrupto e vazio. O mundo sensível também
é criação de Deus, então porque negá-lo? Porque aniquilá-lo e viver como um ser
fora dele? Este tipo de ser humano precisa sim buscar uma experiência com o
sagrado, mas isso não implica que ele deva ser alguém que não entenda das leis físicas
e naturais que regem o mundo em que vivem. Da mesma forma é o profissional das
ciências naturais. Se ele não possuir uma experiência, mínima que seja, com o
sagrado, que sentido tem conhecer a natureza e as forças que a regem? Na verdade,
eu particularmente acredito que todos esses grandes cientistas, não confessionais,
que revolucionaram a história com suas fantásticas descobertas já encontraram
Deus, fazem, do seu jeito, uma experiência metafísica, diferente das que os
confessionais fazem, e por isso proporcionam tamanho bem a humanidade.
Talvez se Feuerbach
tivesse tido essa compreensão de que a Teologia e a Antropologia são duas
coisas distintas, mas que se completam, que não vivem desligadas uma da outra,
ele não afirmaria que uma é mera representação da outra e para que uma exista a
outra deveria deixar de existir.