Ao final de uma das minhas
aulas de alfabetização de adultos, uma das melhores aulas que eu já havia
ministrado à eles; eu caminhava acompanhando-os até o portão principal da casa.
Tal caminhada era embalada por uma boa e agradável conversa sob uma imensa e
provocante lua. Conversávamos sobre tudo, sobre a aula, sobre a lua, sobre as
pessoas e suas particularidades. Em um determinado ponto da conversa, eu falei:
“É, amanhã é domingo, dia do Senhor! Quem vai a missa amanhã?” A dona Maria
retrucou “Amanhã eu vou no catecismo”, falou isso, pobre coitada, pensando
apenas nos pontos que se somariam para o chequinho da premiação no fim do ano.
Enquanto isso João Bosco calado contemplava a lua e as estrelas, e eu
dirigindo-me a ele perguntei, “João, você vai a missa amanhã? Amanhã é dia de
missa!” E ele me respondeu, “vou sim! Vou a missa todos os domingos, não perco
uma. Mas amanhã não é só dia de missa não, é dia também de tomar leite com
nescal no café da manhã!” Fiquei tão intrigado com a fala do João que pedi a
ele para me explicar aquela história, e ele prontamente me explicou: “ Eu só
posso tomar leite com nescal aos domingos, pois não temos dinheiro para comprar
sempre uma lata de nescal. Eu gosto muito! Acho muito gostoso, mas durante a
semana, enquanto trabalhamos pesado, temos que tomar apenas café. Eu não gosto
muito de café, prefiro leite com nescal, mas só tomamos aos domingos.” Ao final
destas palavras minha boca não ousou pronunciar palavra alguma e apenas fiquei
a pensar na minha vida. Lembrei-me de que nunca na minha vida com meus pais
faltara alguma coisa, principalmente leite com nescal. Lembrei-me da mesa de
café da manhã no seminário com 4, 5 e até 6 latas de nescal, e ainda
reclamávamos. Nunca me faltou nada! Minha mesa sempre foi farta, sempre tive
tudo que precisava e ainda reclamava, isso me fazia pensar e imaginar a emoção
que lhe tomava conta nas manhãs de domingo ao ver um pequeno copo de leite com
um pouco de um achocolatado qualquer, que não era capaz sequer de dar cor
àquele leite. Naquele fim de noite de sábado, eu acreditava que havia encinado
a melhor aula e na verdade estava certo que eu aprendera uma grande lição, a
lição que nunca vou esquecer, a lição “domingo
é dia de leite com nescal.” Durante meses fiquei pensando como eu, letrado,
graduado, estudado, viajado, seminarista havia com grande esforço, muitas aulas
e paciência, ensinado àquele homem a ser um ser humano melhor, que ao mesmo
tempo, este mesmo ser humano “analfabeto”
havia salvado a minha vida com apenas algumas palavras.
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